Flexibilização para compras durante a pandemia exige maior responsabilidade e transparência de gestores
Medida provisória que dispensa licitações é tema do segundo debate promovido pelo Observatório do Futuro sobre o impacto da crise nos ODS
O ineditismo da emergência sanitária gerada pelo Novo Coronavírus tornou indispensáveis mudanças legais para a aquisição de equipamentos, produtos e serviços relacionados ao combate da doença que já matou mais de 80 mil brasileiros.
As alterações, feitas inicialmente por medida provisória e válidas até 31 de dezembro deste ano, ampliam, por exemplo, os limites orçamentários para as dispensas de licitação e autorizam pagamentos antecipados.
“O formalismo jurídico (da Lei de Licitações) foi abrandado em benefício da vida”, declarou Thiago Pinheiro Lima, procurador-geral do Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), ressaltando que a iniciativa reforça a capacidade de gerenciamento dos riscos causados pela pandemia, conforme determinam os ODS. “Mas não deve haver abusos”, completou.
Patrocinado pelo Observatório do Futuro, núcleo de monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) do Tribunal, o encontro reuniu ainda Manoel Gaudino, diretor-executivo da Transparência Brasil, e Guilherme Jardim Jurksaitis, assessor técnico-procurador da Corte.
“Prefeituras menores têm enorme dificuldade de seguir rigorosamente a lei. Isso inviabiliza uma resposta rápida à situação. Então agora há a presunção da emergência. Protege-se o gestor, dando maior segurança jurídica. Mas isso não o exime de responsabilidade”, explicou Jurksaitis. “Ele não pode fazer o que bem entender.”
Embora concorde com a necessidade de medidas excepcionais para o momento, Gaudino destaca que as contrapartidas definidas pelas novas regras não estão sendo cumpridas. “Há obrigações, como a criação de portais de transparência. E a maioria foi lenta nisso. A lei deveria prever que, dessa forma, as dispensas de licitação não poderiam continuar.”
Segundo o MPC, o principal problema detectado nesse período tem sido o sobrepreço nas compras. “Já vimos um mesmo produto adquirido por R$ 9 e, 21 dias depois, por R$ 31. Mas há também omissão na exigência de garantias e na previsão de sanções para o descumprimento dos ajustes. E isso é muito importante para garantir a efetividade do serviço”, afirmou Lima, recomendando ainda que os gestores se planejem antes de contratar ou comprar. “O nosso receio é que muitos produtos acabem ficando obsoletos.”
Outra orientação é para que eventuais excessos cometidos por empresas sejam informados ao Ministério Público. “Abuso de preços é crime contra a economia popular."
“Temos que fiscalizar porque o dinheiro é nosso. E o papel das instituições é oferecer ferramentas para que o cidadão possa fazer esse controle social”, disse Gaudino. “E a mesma transparência deve acontecer em relação à estratégia para a compra da vacina, quando ela vier. O Brasil é um país muito desigual (e todos devem ser beneficiados).
Não podemos ser pegos de surpresa por uma situação que já sabemos que vai ocorrer”, ressaltou ele.
Mediado por Fábio Xavier, diretor do Departamento de Tecnologia da Informação do TCESP, o debate desta sexta (24/7) foi organizado com o apoio da Escola Paulista de Contas Públicas. Mais de mil pessoas, entre representantes de Prefeituras, Câmaras Municipais, Secretarias, Órgãos de Controle Interno e entidades da sociedade civil, acompanharam o evento.