CAPÍTULO VIII
DAS HIPÓTESES DE EXTINÇÃO DOS CONTRATOS
Continua-se, neste Capítulo, tratando da mutabilidade contratual, a qual consiste em prerrogativa da Administração Pública decorrente da própria natureza do contrato administrativo.
Conforme abordado no Capítulo VII, a prerrogativa, ou melhor, o dever-poder da Administração para instabilizar o vínculo, mediante alteração ou extinção unilateral, alicerça a figura do contrato administrativo como instituto diferenciado dos contratos de direito privado.
A supremacia do interesse público e a sua indisponibilidade fundamentam a existência do contrato administrativo e do seu traço distintivo: a mutabilidade unilateral, a qual será tratada adiante na figura da extinção unilateral.
Cumpre destacar que o termo adotado pela Lei n.º 14.133/21 passa a ser “extinção” ao invés de “rescisão”, como era tratado na legislação anterior. Ainda assim, no art. 90, § 7º, desta Lei, foi adotada a expressão “rescisão”.
Os contratos administrativos normalmente se extinguem com o advento do seu termo, no caso de contratos de fornecimento de bens e prestação de serviços contínuos, ou com o recebimento de seu objeto e adimplemento integral das obrigações contratadas, no caso de contratos de escopo ou de resultado.
O encerramento prematuro do contrato administrativo é circunstância excepcional, que geralmente decorre de alguma anomalia constatada após a sua celebração que impõe a sua extinção, e deve ser tido como uma espécie de última ratio, que pressupõe o esgotamento de alternativas para a manutenção da avença, sendo que essas hipóteses excepcionais serão tratadas nos artigos seguintes.
Art. 137. Constituirão motivos para extinção do contrato, a qual deverá ser formalmente motivada nos autos do processo, assegurados o contraditório e a ampla defesa, as seguintes situações:
O art. 137 elenca uma série de situações que constituem motivos para extinção do contrato, que deverá ser formalmente motivada nos autos do processo, assegurados o contraditório e a ampla defesa. Essas situações podem ser classificadas de acordo com o sujeito que deu causa à extinção, apartando-se as hipóteses de rescisão por fato imputável ao particular, circunstâncias alheias às partes contratantes e fato imputável à Administração contratante.
Cumpre salientar que, em relação à antiga Lei n.º 8.666/93, diversas hipóteses foram suprimidas, sem implicar mudanças significativas na matéria, e novas hipóteses foram criadas.
I - não cumprimento ou cumprimento irregular de normas editalícias ou de cláusulas contratuais, de especificações, de projetos ou de prazos;
II - desatendimento das determinações regulares emitidas pela autoridade designada para acompanhar e fiscalizar sua execução ou por autoridade superior;
III - alteração social ou modificação da finalidade ou da estrutura da empresa que restrinja sua capacidade de concluir o contrato;
IV - decretação de falência ou de insolvência civil, dissolução da sociedade ou falecimento do contratado;
Podem ser qualificadas como hipóteses de rescisão por fato imputável ao particular os casos de descumprimento ou cumprimento irregular das obrigações contratuais (inciso I); desatendimento às determinações da Administração (inciso II); alteração das características societárias/organizacionais do contratado em prejuízo da conclusão do contrato (inciso III); falência, insolvência civil, dissolução de sua sociedade ou falecimento do contratado (inciso IV), elencadas acima; e descumprimento de obrigações de reserva de cargos e outras obrigações para com a pessoa com deficiência, reabilitado ou menor aprendiz (inciso IX), tratado adiante.
As hipóteses de rescisão por fato imputável ao particular, logicamente, dizem respeito à ocorrência de determinadas situações supervenientes à celebração do contrato relacionadas às características subjetivas do contratado ou à execução defeituosa do contrato, às quais o legislador considerou aptas a justificar a extinção contratual.
V - caso fortuito ou força maior, regularmente comprovados, impeditivos da execução do contrato;
VI - atraso na obtenção da licença ambiental, ou impossibilidade de obtê-la, ou alteração substancial do anteprojeto que dela resultar, ainda que obtida no prazo previsto;
VII - atraso na liberação das áreas sujeitas a desapropriação, a desocupação ou a servidão administrativa, ou impossibilidade de liberação dessas áreas;
VIII - razões de interesse público, justificadas pela autoridade máxima do órgão ou da entidade contratante;
IX - não cumprimento das obrigações relativas à reserva de cargos prevista em lei, bem como em outras normas específicas, para pessoa com deficiência, para reabilitado da Previdência Social ou para aprendiz.
A Lei n.º 14.133/21 não contemplou a hipótese de rescisão por “subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato”, prevista no inciso VI do art. 78 da Lei n.º 8.666/93, vez que podem ser enquadradas na hipótese de rescisão por descumprimento contratual prevista no inciso I. Os casos de fusão, cisão, incorporação, quando prejudiciais à execução contratual, atraem o inciso III, ao passo que a falência, o inciso IV desse mesmo dispositivo legal.
Conforme mencionado, diversas hipóteses foram suprimidas, sem implicar mudanças significativas na matéria. A rigor, foram eliminadas por já estarem abarcadas em outras rubricas, como nos casos de extinção por lentidão no cumprimento, atrasos injustificados e paralisações sem justa causa e prévia comunicação que eram previstas na Lei n.º 8.666/93.
Por outro lado, novas hipóteses foram criadas, como nos casos de atraso na obtenção de licença ambiental, impossibilidade de obtê-la, ou alteração substancial do anteprojeto que dela resultar, ainda que obtida no prazo previsto; de atraso na liberação de áreas sujeitas a desapropriação, desocupação ou servidão administrativa, bem como a impossibilidade de liberação dessas áreas; e o não cumprimento de obrigações relativas à reserva de cargos prevista em lei, bem como em outras normas específicas, para pessoa com deficiência, reabilitado da Previdência Social ou para aprendiz (incisos VI, VII e IX).
Quanto a essa última, destaca-se que o art. 63, inciso IV, da nova Lei, passou a exigir do licitante declaração de que cumpre com as exigências de reserva de cargos durante a fase de habilitação, bem como, no art. 116, manter seu cumprimento ao longo de toda a execução contratual.
§ 1º Regulamento poderá especificar procedimentos e critérios para verificação da ocorrência dos motivos previstos no caput deste artigo.
O procedimento administrativo, assim como os parâmetros a serem observados na tomada de decisão, pode ser objeto de regulamento da Administração.
Tal regulamento, porém, deve se limitar a dar concretude aos preceitos da Lei n.º 14.133/21, vez que, por força do princípio da legalidade, o regulamento não pode criar obrigações, nem instituir sanções que ultrapassem as balizas da legislação.
§ 2º O contratado terá direito à extinção do contrato nas seguintes hipóteses:
Com ligeiras alterações em relação à Lei n.º 8.666/93, o § 2º do art. 137 acrescenta as hipóteses em que o contratado terá direito à extinção do contrato, hipóteses estas nas quais o contratado não tem culpa e, por isso, pode exigir a extinção do contrato. Trata-se, portanto, de direito subjetivo do contratado.
I - supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras que acarrete modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no art. 125 desta Lei;
II - suspensão de execução do contrato, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 3 (três) meses;
III - repetidas suspensões que totalizem 90 (noventa) dias úteis, independentemente do pagamento obrigatório de indenização pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas;
IV - atraso superior a 2 (dois) meses, contado da emissão da nota fiscal, dos pagamentos ou de parcelas de pagamentos devidos pela Administração por despesas de obras, serviços ou fornecimentos;
A hipótese do inciso IV é considerada uma cláusula exorbitante, fundamentada pela supremacia do interesse público e sua indisponibilidade, denominada restrição da exceção do contrato não cumprido, também chamada de inoponibilidade da exceção do contrato não cumprido ou da exceptio non adimpleti contractus.
O contratado é obrigado a aturar os atrasos nos pagamentos devidos pela Administração. Entretanto, há limite: o atraso superior a 2 (dois) meses enseja direito à extinção do contrato pelo contratado. Note-se que o prazo de 90 (noventa) dias, previsto no art. 78, inciso XV, da Lei n.º 8.666/93, foi reduzido para 2 (dois) meses, após o que o contratado terá direito à extinção do contrato.
V - não liberação pela Administração, nos prazos contratuais, de área, local ou objeto, para execução de obra, serviço ou fornecimento, e de fontes de materiais naturais especificadas no projeto, inclusive devido a atraso ou descumprimento das obrigações atribuídas pelo contrato à Administração relacionadas a desapropriação, a desocupação de áreas públicas ou a licenciamento ambiental.
Os casos enumerados nesse parágrafo podem ser qualificados como hipóteses de rescisão por fato imputável à Administração contratante.
A Lei n.º 14.133/21 não trouxe nenhuma hipótese nova em que o contratado terá o direito de pleitear a extinção do contrato.
Manteve-se idêntica a hipótese de extinção por supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras que acarrete modificação do valor inicial além do limite percentual máximo permitido (inciso I).
As demais sofreram ajustes, principalmente com relação aos prazos: no caso da suspensão da execução do contrato, por ordem escrita da Administração, a extinção passou a ser possível quando a suspensão exceder o prazo de 3 (três) meses corridos ou quando repetidas suspensões totalizarem o prazo de 90 (noventa) dias úteis (incisos II e III), menos que os 120 (cento e vinte dias) previstos pela Lei n.º 8.666/93; e, no caso de atrasos nos pagamentos ou parcela de pagamentos devidos pela Administração, o contratado passa a poder pleitear a extinção do contrato quando este for superior a 2 (dois) meses, contados da emissão da nota fiscal, também reduzindo em trinta dias o prazo atualmente previsto na Lei n.º 8.666/93, conforme já comentado.
§ 3º As hipóteses de extinção a que se referem os incisos II, III e IV do § 2º deste artigo observarão as seguintes disposições:
I - não serão admitidas em caso de calamidade pública, de grave perturbação da ordem interna ou de guerra, bem como quando decorrerem de ato ou fato que o contratado tenha praticado, do qual tenha participado ou para o qual tenha contribuído;
No caso de calamidade pública, de grave perturbação da ordem interna ou de guerra, bem como quando decorrerem de ato ou fato que o contratado tenha praticado, do qual tenha participado ou para o qual tenha contribuído, as hipóteses dos incisos II (suspensão por mais de 3 meses), III (repetidas suspensões até o total de 90 dias úteis) e IV (atraso no pagamento por mais de dois meses) não se aplicam.
II - assegurarão ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até a normalização da situação, admitido o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, na forma da alínea “d” do inciso II do caput do art. 124 desta Lei.
Ao invés da extinção, o contratado poderá optar pela suspensão de suas obrigações até a normalização da situação, nas hipóteses dos incisos II (suspensão por mais de 3 meses), III (repetidas suspensões até o total de 90 dias úteis) e IV (atraso no pagamento por mais de dois meses), admitido o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
§ 4º Os emitentes das garantias previstas no art. 96 desta Lei deverão ser notificados pelo contratante quanto ao início de processo administrativo para apuração de descumprimento de cláusulas contratuais.
Inovação da nova Lei, o § 4º estabelece que os emitentes das garantias previstas no art. 96 deverão ser notificados pelo contratante quanto ao início de processo administrativo para apuração de descumprimento de cláusulas contratuais.