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Tipo:
Artigo
Data de Publicação:
Ementa / Resumo:

 

O alcance do artigo 42 da LRF no ano de 2020
 

* Sérgio Ciquera Rossi

Recentemente fizemos breves considerações sobre a Lei Complementar n° 173, de 2020 relativas às disposições dos artigos 8º a 10. Agora a discussão recai sobre o verdadeiro alcance do artigo 42 da Lei Complementar nº 101, de 2000, que teve seus efeitos suspensos pela referida Lei 173. Observe-se bem que ao contrário do artigo 21, da LRF, que mereceu alterações de caráter permanente, o artigo 42 foi objeto de suspensão por período.

Recorde-se que aludido artigo trata da proibição de gastos nos últimos 8 (oito) meses do mandato para os quais não existam recursos financeiros para enfrentá-los. Esse dispositivo, por sinal, tem sido o maior determinante de Pareceres Desfavoráveis às contas anuais de Prefeituras.

Tenho defendido insistentemente a jurisprudência da Casa que considera no período de abril a dezembro do último ano de mandato vedadas despesas para as quais não existam recursos financeiros. Não participo do entendimento de que a proibição só atingiria despesas criadas no período, abandonando-se as despesas inscritas em Restos a Pagar.

Esse entendimento remonta ao ano de 2000, quando da sanção da LRF, ocasião em que sustentamos que “o artigo 42 insere-se na seção da LRF que trata de Restos a Pagar, os quais, conforme conceituação da Lei 4320, de 1964 (art. 36) são as despesas empenhadas mas não pagas até 31 de dezembro. Assim, não há falar em Restos a Pagar sem o prévio empenho que as suporte orçamentariamente...”. “O artigo 42 enfoca a disponibilidade financeira, o ajuste entre compromissos e fluxo de caixa, enfocam, eles o desembolso a saída de dinheiro público, o pagamento enfim...” (in TOLEDO Jr., Flávio Correa de; ROSSI, Sérgio Ciquera; Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada artigo por artigo, 2ª Edição, NDJ, páginas 223 e 224, julho de 2002).

Pois bem. Havemos, portanto, de avaliar os efeitos da já aludida suspensão do artigo 42.

A Lei Complementar nº 173, de 2020, em seu artigo 7º, repita-se, incluiu alterações significativas na LRF e uma delas está assentada no inciso II do § 1º do novo artigo 65 ao dispor que:

“Art 65 - ...
§ 1º - Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, nos termos de decreto legislativo em parte ou na integralidade do território nacional e enquanto perdurar a situação, além do previsto nos incisos I e II do  caput:
I - ...
II – serão dispensados os limites e afastadas as vedações e sanções previstas e decorrentes dos arts. 35, 37 e 42, bem como será dispensado o cumprimento do disposto no parágrafo único do art 8º desta Lei Complementar, desde que os recursos arrecadados sejam destinados ao combate à calamidade pública”
A controvérsia que se instalou é se os recursos arrecadados só poderão ser gastos no combate à pandemia ou haverá certa liberdade na sua destinação.
A Lei Complementar n° 173, de 2020, fixa as seguintes condições:

Instituição, nos termos do artigo 65, da Lei Complementar n° 101, de 2000, de programa de enfrentamento ao Coronavírus-SARS-CoV-2 (COVID_19) com duração exclusiva para o ano de 2020.
Durante o estado de calamidade pública ficam afastadas e dispensadas as disposições da referida Lei Complementar e de outras leis complementares, leis, decretos, portarias e outros atos normativos que tratem:
“Art. 3 - ....
I - ...
II - ...

§ 1° O disposto neste artigo:
I – aplicar-se-á exclusivamente aos atos de gestão orçamentária e financeira necessários ao atendimento deste Programa ou de convênios vigentes durante o estado de calamidades...
A leitura isolada e depois conjunta desses dispositivos deixa claro que a Lei Complementar n° 173, de 2020, produzirá efeitos exclusivamente no exercício de 2020 e em princípio por conta do estado de calamidade decretado.
À primeira vista a interpretação que se faz é que os benefícios da dispensa das exigências do art. 42 só prevalecerão nos gastos com o enfrentamento da pandemia.
Acho que não!

Antes de mais nada, não será tarefa fácil a identificação dos gastos diretos e indiretos decorrentes da COVID-19 e depois porque, em verdade esse Programa não está destinado somente à luta contra a doença.

Não se pode perder de vista que com avassalador aumento de casos, o noticiário da Imprensa informava que a União prestaria socorro financeiro a Estados e Municípios, ante o quadro econômico caótico que se desenhava. Daí o auxílio financeiro destinado pela Lei Complementar n° 173, de 2020.
Diz o artigo 5º dessa Lei que:

“Art. 5º - A União entregará, na forma de auxílio financeiro, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, em 4 (quatro) parcelas mensais e iguais, no exercício de 2020, o valor de R$ 60.000.000.000,00 (sessenta bilhões de reais) para aplicação, pelos Poderes Executivos locais, em ações de enfrentamento à COVID-19 e para mitigação de seus efeitos financeiros, da seguinte forma: ...”

Vê-se, portanto, que o auxílio financeiro tem dois destinos, um para o combate da pandemia e outro para a mitigação de seu efeito financeiro, em poucas palavras a perda de arrecadação.

Essa regra significa que a prioridade é em favor da pandemia, mas ao tratar da mitigação de seus efeitos autoriza a utilização para qualquer outra despesa e aí cabe a liquidação de Restos a Pagar e despesas contraídas nos últimos 8 meses de mandato.

Isso é pura lógica, ou seja, se o Município aplicou adequadamente os recursos destinados a ações de saúde e assistência social e se há sobras e não há preceito legal determinando a devolução é evidente que o gasto fica no âmbito do poder discricionário do responsável.

Daí porque estabelecer o inciso II do §1° do artigo 3º que após o término do período de calamidade pública a Administração não poderá se eximir “das obrigações de transparência, controle e fiscalização referentes ao referido período, cujo atendimento será objeto de futura verificação pelos órgãos de fiscalização e controle respectivos, na forma por eles estabelecida”.

É aqui que o Tribunal de Contas exercerá sua elevada missão de controle externo.

A avaliação das medidas tomadas para o enfrentamento da pandemia deverá centrar-se na verificação da disponibilidade de leitos e aparelhos, no tratamento em domicílio e principalmente no número de óbitos, bem assim que os mais necessitados tenham merecido o atendimento mínimo à sobrevivência dentre os quais cestas básicas, medicamentos e afins.

Satisfeitos esses cuidados, a Administração estará liberada para a utilização do que lhe tenha sobrado, privilegiando a quitação de compromissos, evitando o aumento do endividamento, e a realização de despesas nos últimos 8 (oito) meses do ano que se mostrem absolutamente imprescindíveis, ainda que não disponha dos necessários recursos, apoiados na suspensão das consequências decorrentes do artigo 42, da Lei Complementar n° 101, de 2000.

Essa   posição   é   de   caráter   puramente  pessoal  e    sem    qualquer vinculação às decisões que vierem a ser proferidas pelo Tribunal.


*Sérgio Ciquera Rossi é Secretário-Diretor Geral do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP)

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