ARTIGO: Quem é o responsável por fiscalizar verbas distribuídas pelo Fundeb
* Thiago Pinheiro Lima
O Supremo Tribunal Federal apreciou recentemente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5.791 proposta pelo Partido Solidariedade contra o artigo 11 da Lei 9.424/1996 e artigos 25, caput, e 26, III, da Lei 11.494/2007, na qual se buscava demarcar os limites de atuação dos Tribunais de Contas no tocante à fiscalização das verbas distribuí- das pelos fundos constitucionais de educação pública (FUNDEF e FUNDEB).
Partindo do pressuposto de que os recursos transferidos pela União, particularmente aqueles repassados a título de complementação para atingimento do valor mínimo por aluno definido nacionalmente, seriam recebidos pelos Estados, Distrito Federal e Municípios em decorrência de imposição constitucional – ou seja, independentemente de aceitação expressa ou tácita pelo Ente beneficiário –, advogou o autor da ação a tese de que o controle de tais parcelas não estaria a cargo do Tribunal de Contas da União, mas sim e tão somente das Cortes de Contas esta- duais, distrital ou municipais, conforme o caso.
No dia 05/09/2022, a ação foi julgada improcedente, entendendo o STF, por unanimidade, ser “competência do TCU fiscalizar a aplicação de verbas originárias da União por parte dos demais entes da Federação”.
Cumpre registrar que a ADI foi proposta em outubro de 2017, portanto, antes da revogação da Lei 11.494/2007; de qualquer modo, a norma revogadora, Lei 14.113/2020, em seu artigo 30, repete ipsis litteris o teor do atacado artigo 26 da norma revogada, o qual – expressamente – já conferia ao TCU competência legal para a fiscalização e o controle em relação à complementação da União.
Não seria adequado, todavia, atribuir à legislação infraconstitucional responsabilidade pela solução acerca de eventual conflito de competências entre Cortes de Contas, mormente pelo fato de tal disciplina – é dizer, as atribuições do controle externo brasileiro nos Entes federados – ser regida primordialmente pelo artigo 70 e seguintes da Constituição.
Não é sem razão, portanto, o TCU sustentar no âmbito da ADI em comento que a atuação do controle externo federal, quando presente a complementação da União, não implica ofensa à autonomia federativa, “tendo em vista não afastar a competência dos demais órgãos de controle das outras esferas da federação”.
Deveras, a leitura combinada do artigo 70, parágrafo único, com o artigo 212-A, IV, ambos da Constituição da República, resulta na percepção de que outra solução não se mostraria razoável, se não a de que ao TCU cumpre acompanhar e exercer o controle externo em relação à aplicação dos recursos federais destinados ao FUNDEB a título de complementação empreendida pela União.
O voto condutor do julgamento da ADI n.º 5.791, cuja relatoria coube ao Ministro Ricardo Lewandowski, seguiu na mesma trilha e, após indicar diversos precedentes daquela Corte a respaldar sobredita inteligência, reafirmou a jurisprudência de que: “a origem dos recursos é determinante para o adequado estabelecimento da competência fiscalizatória”.
Assim sendo, dado que os recursos destinados à complementação do Fundo são de titularidade da União, validou-se a competência fiscalizatória do TCU nesse tocante, “sem prejuízo da atuação do respectivo Tribunal de Contas estadual, já que o fundo é composto por recursos estaduais e municipais”.
A teor do quanto decidido, importante registrar que a referida decisão não interfere nas atribuições das Cortes de Contas estaduais e municipais; afinal, não se fala em exclusão de competências, seja porque não se retira o que nunca lhes pertenceu, seja porque se trata, em verdade, não de supressão, mas sim de mera organização da forma pela qual se exerce o controle externo, sistemática que, se ainda não estava suficientemente clara para alguns, agora obteve expressa evidenciação.
Especificamente no que toca ao Estado de São Paulo, vale registrar que a Constituição paulista reproduz, em seu artigo 32, parágrafo único, a regra contida no artigo 70, parágrafo único, da Carta Maior, adequando-a à sua esfera de atuação: “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito privado que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais o Estado responda, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária”.
De sorte que a diretriz agora sedimentada pelo STF já prevalecia no contexto paulista, inclusive na esteira das orientações expedidas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a exemplo do mais recente manual “Novo Fundeb – Perguntas e Respostas”, editado em 2021, segundo o qual, a despeito da atuação ordinária por parte do controle interno e Tribunais de Contas locais, “quando há recursos federais na composição do Fundo em um determinado Estado, o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União também atuam nessa fiscalização naquele Estado”.
Diga-se de passagem, a complementação de recursos da rede de ensino municipal no contexto do Estado de São Paulo é pouco representativa, porquanto, dos 645 municípios, apenas três foram contemplados com aportes federais em 2022: Potim (R$131.316,67), Quintana (R$79.916,17) e Santa Maria da Serra (R$97.965,32).
Logo, é de se observar que o quanto deliberado na ADI n.º 5791 não acarreta impacto no cenário paulista, ainda que a decisão sob enfoque se mostre sobremaneira relevante, na medida em que traz segurança jurídica e legitima os contornos constitucionais acerca da organização do sistema de controle externo no que concerne às competências das Cortes de Contas de uma forma em geral, ficando evidente que compete ao TCU, no âmbito do Fundeb, fiscalizar somente a parcela relativa à complementação realizada pela União.
* Thiago Pinheiro Lima é Procurador-Geral do Ministério Público de Contas junto ao TCESP.