O novo Marco Regulatório de Licitações e a Governança Pública
* José Paulo Nardone
Em vias de ser sancionada, a nova Lei de Licitações traz consigo algumas interessantes inovações, entretanto, a principal característica a ser destacada num primeiro momento é a unificação da legislação atualmente vigente, englobando a Lei 8666/93, a Lei do Pregão, o RDC, entre um conjunto de regulamentos legais de diferentes níveis e abrangências.
Daí que, tal qual a CLT no âmbito trabalhista, poderia até ser denominada como a Consolidação das Leis Licitatórias e de Contratações Públicas, a CLLCP, até mesmo pela amplitude alcançada pelo PL 4253/20, cuja compilação dos diferentes regramentos e algumas inovações fez atingir próximo de 200 artigos, transitando entre genéricas indicações até o amiúde detalhamento, por exemplo, da composição de um parecer jurídico.
Dito isso, sabedores da permanente necessidade de novas adaptações e revisões, especialmente neste período de transição de dois anos para sua adoção exclusiva, não podemos deixar de registrar algumas previsões trazidas, destacando, dentre as muitas, a integração de elementos de Governança na gestão das contratações governamentais, clara opção que se depreende a partir dos dispositivos que tratam da valorização do Planejamento das aquisições e tudo o que o envolve, dentre os quais a sua profissionalização, com a inclusão da figura do agente de contratação e demais quadros voltados à gestão por competência, além da utilização dos recursos da Tecnologia da Informação, a valorização do Compliance e a definição do conceito de Sustentabilidade como um dos seus princípios.
No que tange ao Planejamento, considerado como um dos princípios norteadores da gestão de compras governamentais, o novo texto revela uma evidente valorização, notadamente com a inclusão de todo um capítulo dedicado especificamente à fase preparatória do processo licitatório, onde, entre outros aspectos, relaciona a possibilidade de adoção de um plano anual de contratações, compatibilizado com o plano estratégico e com as leis orçamentárias; trata da introdução da gestão de riscos, por meio da elaboração de matriz de risco, buscando prever e evitar intercorrências em obras de grande vulto, tanto na contratação, quanto na execução do objeto, inclusive indicando responsabilidades das partes envolvidas.
A utilização das ferramentas de TI, que já há algum tempo permeiam todas as ações de evolução da gestão, tanto privada quanto pública, não foi deixada de lado pelo legislador, mostrando-se subjacente em inúmeros dispositivos do novo marco, onde a transparência se torna o eixo central de grande parte das inovações propostas.
É o caso da criação do Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, sítio eletrônico destinado à divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos pela lei, bem como à realização de contratações, embora de adesão facultativa, oferecerá um registro cadastral unificado de licitantes, além de disponibilizar um painel de consulta de preços, banco de preços em saúde, acesso à base nacional de notas fiscais eletrônicas e aos planos de contratação anual dos entes da administração, catálogos eletrônicos de padronização e termos aditivos, além do acesso ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas e ao Cadastro Nacional de Empresas Punidas.
O Desenvolvimento Nacional Sustentável, além de um objetivo, é elevado à condição de princípio a ser observado para as contratações públicas, ampliando seu enfoque para além do critério econômico, mas também social e ambiental, reconhecendo que as ações do hoje não deverão comprometer o futuro, considerando a significativa relevância das compras governamentais.
Finalmente, no aspecto do foco na governança, a nova legislação trata da obrigatoriedade de adoção de um Programa de Integridade pelo licitante vencedor de contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto e não mais apenas como critério de desempate entre licitantes, que também permanece, incentivando a adoção de programas de integridade, o que certamente estenderá também aos próprios órgãos públicos contratantes e aqueles responsáveis pelo controle externo, que passem a contar com Programas de Integridade, pois se o exigem, nada mais razoável que também passem a adotá-los, expandindo a ideia do compliance por todo o tecido de instituições públicas e privadas.
Avanço significativo também a opção pela efetividade dos resultados das contratações, a partir da previsão de contratos de eficiência, como por exemplo, no caso de se concluir uma obra antes do prazo previsto inicialmente, demonstrando a clara opção de tornar a contratação não apenas um fim em si mesma, mas um meio para a administração alcançar o resultado pretendido.
Num país onde mais da metade do PIB é canalizado para o orçamento público, caso as compras governamentais se tornem mais efetivas, o novo marco regulatório terá atingido um resultado ainda mais impactante, proporcionando menos burocracia e mais resultados, melhor gestão e maior efetividade nas ações públicas, repercutindo positivamente na vida das camadas mais carentes e necessitadas da população, exatamente aquelas que mais diretamente dependem de uma boa qualidade dos serviços públicos.
* José Paulo Nardone é Diretor Técnico da Unidade Regional do TCESP em Bauru, Professor universitário e Mestre em Direito do Estado
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