ARTIGO: Centenário do TCESP e o 24° Ano do Marco Legal das Finanças Públicas
* Paulo Massaru Uesugi Sugiura
Neste mês de maio de 2024, há duas datas a serem comemoradas, em justa homenagem, a primeira pelos 100 anos do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e a segunda pelo 24° ano do Marco Legal Fiscal, a Lei de Responsabilidade – LRF, cujas histórias não se confundem, mas guardam estreito relacionamento nas competências e atribuições constitucionais de controle externo, principalmente pelo protagonismo exercido nacionalmente pela Corte de Contas Paulista na instrumentalização dos comandos existentes naquele instituto legal.
Em breve digressão, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em vigor desde 4 de maio de 2000, criou novos mecanismos na condução das finanças públicas, com o registro, desde já, que desde o primeiro ano de edição já fez sentir de imediato seus mecanismos de controle e de transparência.
Com o objetivo de aprimorar a responsabilidade na gestão fiscal dos recursos públicos por meio da ação planejada e transparente, capaz de prevenir riscos e corrigir desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, a Lei Fiscal apoiou-se em quatro pilares básicos:
1. Planejamento
2. Transparência
3. Controle
4. Responsabilização
O planejamento aprimorado pela criação de novas informações, metas, limites e condições para a renúncia de receita, geração de despesas, despesas com pessoal, despesas da seguridade, dívidas, operações de crédito, ARO (empréstimo por antecipação da receita orçamentária) e concessão de garantias.
A transparência prevista pela divulgação ampla, inclusive pela internet, de relatórios de acompanhamento da gestão fiscal com a finalidade de identificar as receitas e despesas, por meio de Anexos de Política Fiscal, de Metas e Riscos Fiscais, do Relatório Resumido da Execução Orçamentária e do Relatório de Gestão Fiscal
O controle aprimorado pela maior transparência e qualidade das informações, exigindo uma ação fiscalizadora mais efetiva e contínua dos Tribunais de Contas.
A responsabilização sempre que houver o descumprimento das regras, com a suspensão das transferências voluntárias, garantias e contratação de operações de crédito, inclusive ARO, além de atribuir aos responsáveis as sanções previstas no Código Penal e na Lei de Crimes de Responsabilidade Fiscal.
O protagonismo do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em sua missão institucional, foi marcado pelo empenho em materializar o comando da Lei Fiscal, em especial aquele espelhado no seu artigo 59, momento em que editou as Instruções n.º 01/00 em 24/05/00, sob a presidência do Conselheiro Robson Marinho, estabelecendo aos Poderes e Órgãos sob a sua jurisdição as obrigações para o exercício dos mecanismos de controles, alertas e orientações.
Ainda que inexistentes os relatórios e demonstrativos editados pelo Órgão Central Federal, de maneira pioneira e inédita foram criadas as primeiras peças de transparência necessárias para o acompanhamento da gestão fiscal e emissão de alertas, seguido pelos demais Tribunais de Contas do Brasil, por ação do Instituto Rui Barbosa, à época sob a Presidência do Eminente Conselheiro Antonio Roque Citadini.
Aqui cabe o registro da imediata preocupação do Instituto Rui Barbosa em fortalecer o controle externo e não deixar que as regras e os princípios da Lei Fiscal ficassem somente no papel. A partir daí, capitaneados pelo IRB e pela ATRICON, os tribunais de contas em parceria com o Governo Federal e o BNDES passaram a promover estudos e reuniões com o objetivo de estabelecer modelos de relatórios e procedimentos e uniformizar a ação dos entes de controle. Deste arranjo institucional, não é desapropriado dizer que a semente da Rede de Controle dos Tribunais de Contas foi lançada e materializada no Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo – PROMOEX.
Atualizações legais e constitucionais foram acrescentadas desde então, algumas para o aperfeiçoamento de seus mecanismos de controle e de transparência, outras “afrouxando” os limites e condições legais para alguns pontos de controles fiscais.
Nos tópicos relacionados à transparência fiscal a L.C. nº 131/2009 introduziu novas regras de transparência fiscal, determinando a disponibilização, em tempo real, de informações detalhadas sobre a execução orçamentária e financeira dos entes federativos. Ainda neste campo, a Lei nº 156/2016 cuidou da disponibilização de informações e dados contábeis, orçamentários e fiscais conforme periodicidade, formato e sistema estabelecidos pelo órgão central de contabilidade da União, do qual podemos destacar o SIAFIC, sistema único a ser implantado pelo Poder Executivo com abrangência de todos os poderes e órgãos em cada ente federativo.
Em relação aos limites e condições de financiamento e endividamento, destaque à L.C. nº 159/2017, que estabeleceu prazo de verificação dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação e a L.C. 164/2018 que acrescentou mecanismos para vedar a aplicação de sanções a Município que ultrapasse o limite para a despesa total com pessoal nos casos de queda de receita específico.
Neste contexto, ainda temos leis editadas na pandemia da Covid-19, a L.C. nº 173/2020, que alteraram as regras sobre despesas de pessoal e sobre efeitos de calamidade pública, a L.C. nº 177/2021 que modificou as regras de limitação de empenho, do mecanismo algumas hipóteses e a L.C. nº 178/2021, que introduziu regras sobre apuração e cálculos sobre despesa de pessoal e atendimento aos respectivos limites e a L.C. nº 195/2022, dispondo que não serão contabilizadas na meta de resultado primário, para efeito do mecanismo de limitação de empenho, as transferências federais aos demais entes para o setor cultural decorrentes de calamidades públicas ou pandemias.
E neste diapasão da pandemia, no plano constitucional, a Emenda Constitucional nº 109, de 2021 impôs medidas de controle do crescimento das despesas obrigatórias de caráter continuado permanentes nos orçamentos dos entes federativos (União, Estados e Municípios), ao acrescentar dentre outros mecanismos de ajuste fiscal previstos no artigo 167-A da CF, estabelecendo-se o limite de 95% do resultado das receitas/despesas correntes.
Com regras específicas para a União e para os demais entes federados no que couber, a L.C. nº 200/2023, tratou do cumprimento de metas fiscais e sustentabilidade da dívida, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2024.
Em linhas gerais, as regras fiscais foram aperfeiçoadas, ressalvadas aquelas de caráter excepcional editadas na pandemia da Covid-19.
No campo do acompanhamento dos pontos de controles da Lei de Responsabilidade Fiscal, com base na análise efetuada no último exercício fiscal encerrado (2023), proveniente dos informes contábeis das 644 prefeituras, encaminhados ao TCE-SP e disponíveis no Painel Visor, é possível visualizar que alguns avanços foram alcançados, a exemplo da movimentação dos restos a pagar, com 92% das prefeituras em situação favorável.
Contudo, alguns desafios ainda persistem e não foram superados desde o advento da LRF, a exemplo das metas de resultado primário previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) X metas previstas na Lei Orçamentária Anual (LOA), com cerca de 87% das prefeituras em situação desfavorável.
Outras situações fiscais também são recorrentes, como os déficits de arrecadação em relação à previsão, bem como em relação à execução orçamentária (receita/despesa), que apresentam resultados deficitários em 46% e 49% das prefeituras, respectivamente.
Em relação às despesas de pessoal, cerca de 23% dos Poderes Executivos apresentaram alertas de limites prudenciais (até 95% do limite legal).
Importante registrar que tais situações não conduzem necessariamente ao juízo de uma gestão irregular, que dependerá da avaliação do conjunto de outros pontos de controles fiscais, limites legais, atendimento à conformidade legal, aos resultados operacionais dos serviços e das políticas públicas conduzidas pelo gestor do município, a serem analisadas pela Fiscalização e apreciadas pelo Relator no correspondente processo de Contas Anuais.
Porém, com 24 anos de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, o planejamento de metas fiscais, metas de resultado (primário e nominal), riscos fiscais ainda não foram devidamente postos em prática, haja vista os resultados apresentados ao final de cada exercício, mesmo com a emissão de alertas concomitantes no acompanhamento da gestão fiscal pelo Tribunal de Contas, que chega a alcançar 85% dos municípios em determinados períodos de referência.
Planejamento tem sido a principal deficiência encontrada nos municípios jurisdicionados ao TCE-SP, cerca de 86% apresentaram a nota “C” no Índice de Efetividade da Gestão Municipal – IEGM (C=baixo nível de efetividade) no exercício de 2022 (último exercício validado).
Não há uma solução “mágica” para evoluir na gestão administrativa diante da escassez de recursos e das imensas necessidades sociais, contudo, instituir procedimentos de governança e de comunicação internos voltados ao conhecimento do problema, avaliação de riscos e diagnóstico da situação encontrada já seriam um bom começo.
Outro ponto de importante avanço poderia consistir em aparelhar as peças de planejamento com previsões próximas à realidade, capazes de diminuírem o grau de incerteza da execução orçamentária, comumente resolvidas por meio da abertura dos créditos adicionais suplementares e/ou especiais, reflexo de um planejamento elaborado sem a correspondente fonte de recurso ou de programação financeira mal elaborada.
Nesse sentido, um dos principais pilares da responsabilidade fiscal ainda padece de aperfeiçoamento, de correta utilização dos mecanismos já existentes, sem o qual não há resultados favoráveis, não há como colher resultados diferentes (e melhores) insistindo-se nas mesmas práticas.
O cenário jurídico caminha para um conjunto sistematizado no qual o planejamento – e não poderia ser diferente – é privilegiado, como se vê na Nova Lei de Licitações e Contratos, que introduziu como princípio e nas regras de governança, com correspondência na Lei Orçamentária Anual em decorrência da necessária elaboração do Plano de Contratações Anual, como premissa antecedente e obrigatória.
Outros avanços significativos nas dimensões de controle e transparência ocorreram, muito em decorrência da superação dos desafios apresentados e, neste ponto, à pronta atuação do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por meio de sua Alta Direção, que não mediu esforços para implementar procedimentos, processos e destinar investimentos em sua estrutura e seu corpo técnico nos mais variados temas de suas competências e atribuições.
Neste Centenário, a Corte de Contas Paulista registra a sua contribuição na gestão fiscal responsável, mais do que uma passagem histórica, um legado para as Finanças Públicas do País, motivo de dupla comemoração.
* Paulo Massaru Uesugi Sugiura é Diretor Técnico de Departamento de Supervisão da Fiscalização I do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo