ARTIGO: Medidas de prevenção à corrupção na nova Lei de Licitações, por Dimas Ramalho
*Dimas Ramalho
A Lei 14.133/2021 busca modernizar as regras aplicáveis às licitações e contratos administrativos, com a reunião de normas criadas após a edição da Lei 8.666/1993 e de práticas entendidas pelos acadêmicos e gestores como relevantes para o desenvolvimento da atividade contratual do Estado.
Dentre os temas que aparecem como de interesse pelo legislador, está o da corrupção nas contratações públicas, que ganhou repercussão em virtude dos escândalos descobertos pelas inúmeras investigações levadas a cabo nos últimos tempos. A preocupação com possíveis desvios já existia, e inspirou a elaboração da Lei 8.666/1993 (cf. André Rosilho. Licitação no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013), mas há novidades nas regras relativas à estruturação dos órgãos públicos e das empresas contratadas.
No caso dos órgãos e entidades estatais, a Lei 14.133/2021 buscou reforçar a governança no controle das contratações, por meio de dois instrumentos de gestão.
O primeiro concretiza-se na previsão da segregação de funções, colocada como princípio (art. 5º) e também como regra para a nomeação de agentes públicos para atuarem em licitações e contratos, de modo a evitar que um mesmo servidor atue simultaneamente “em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes” (art. 7º, §1º). A intenção é de que a pluralidade de agentes diminua a ocorrência de erros e fraudes nos processos licitatórios e de acompanhamento contratual.
O segundo instrumento é a organização da gestão dos riscos e das estruturas de controle em três linhas de defesa, estrutura desenvolvida no âmbito das controladorias e auditorias internas , com vistas a colocar diferentes atores em posições estratégicas para a condução dos eventos indesejados às instituições.
A lei prevê o seguinte posicionamento (art. 169, caput, incisos I a III): (i) uma primeira linha composta pelos servidores envolvidos na estrutura de governança do próprio órgão ou entidade licitante; (ii) uma segunda linha, integrada pelos agentes designados para o assessoramento jurídico e para o controle interno da unidade contratante; e (iii) por fim, compõem a última linha o órgão central de controle interno da Administração e o respectivo Tribunal de Contas, que são independentes entre si e em relação às linhas anteriores.
De outro lado, em relação às empresas contratadas, a nova Lei estipulou regras relativas à adoção por elas dos programas de integridade, considerados importantes ferramentas para evitar casos de corrupção e desvios nas relações público-privadas.
Ficou estabelecida a obrigatoriedade de adoção de programa de integridade em duas hipóteses: (i) para contratos de obras, serviços ou fornecimento de grande vulto – valores acima de duzentos milhões de reais – devendo a empresa viabilizar a sua implantação no prazo de seis meses após a assinatura do contrato (art. 25, §4º); e (ii) para a reabilitação de licitante ou contratado apenado pela apresentação de documento ou declaração falsa, ou pela ato tipificado como lesivo à Administração na Lei Anticorrupção, conforme prevê o art. 163, parágrafo único, da Lei 14.133/2021.
Em ambos os casos, trata-se de aspecto cogente nos contratos, que não poderá ser afastado ou negligenciado pelo administrador público.
Além disso, a Nova Lei de Licitações trouxe meios de incentivar as empresas a adotarem tais programas, seja como critério de desempate das propostas em licitação (art. 60, caput, inciso IV), seja como critério de balizamento da penalidade a ser aplicada, em caso de sancionamento administrativo (art. 156, §1º, inciso V).
Enfim, os instrumentos de governança pública e privada aparecem por meio de novos institutos legais, para gerar contratações públicas mais probas e aptas a atender ao interesse coletivo. As estruturas estão postas e a aplicação prática delas demonstrará se a intenção do Legislador será atendida.
* Dimas Ramalho é Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.