* Sérgio Ciquera Rossi


As despesas com pessoal sempre foram e continuam a ser um grande obstáculo à aprovação das contas anuais das Prefeituras Municipais, especialmente considerando que este Tribunal de Contas tem sido, há muito tempo, intransigente nos casos de superação dos limites estabelecidos pelas Leis Complementares nº 82, de 1995, e nº 96, de 1999. 

O tema não é novo e já era motivo de preocupação na década de 1990, quando foram sancionadas as referidas Leis Complementares - sendo a Lei Complementar nº 82, de 27 de março de 1995, conhecida como "Lei Rita Camata", que buscou disciplinar os limites das despesas com o funcionalismo público, conforme o artigo 169 da Constituição Federal. Esta iniciativa foi amplamente celebrada pelos órgãos de controle externo, vez que representou uma oportunidade de conter os gastos com pessoal, evitando que o orçamento ficasse comprometido - o que, consequentemente, limitaria os investimentos tão necessários à gestão pública.

No exercício de exigir o planejamento dos gastos públicos, incluindo a definição de limites para as despesas com pessoal, surgiu, com a expectativa de que todos os problemas seriam resolvidos, a Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, que revogou expressamente as leis anteriormente mencionadas. O artigo 18 dessa promissora Lei dispõe:

"Art. 18 - Para efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com ativos, inativos e pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e membros de Poder, com qualquer espécie remuneratória, tais como vencimentos e vantagens fixas e variáveis, subsídios, proventos de aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência."

Não há dúvida de que essa regra se aplica exclusivamente ao pessoal (cargos, funções e empregos) do serviço público. Por sua vez, o § 1º do mesmo artigo 18 estabelece que:
"§ 1º - Os valores dos contratos de terceirização de mão de obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como 'Outras Despesas de Pessoal'."
Portanto, os contratos de terceirização de mão de obra aplicam-se apenas à substituição de servidores ocupantes de cargos ou empregos, obviamente integrantes do serviço público.

O § 1º do artigo 18, que foi objeto de emenda de Plenário durante a discussão da Lei, criou a categoria de "Outras Despesas de Pessoal", diferenciando-se significativamente da regra geral estabelecida no artigo 18. Ademais, é preciso salientar que a Lei de Responsabilidade Fiscal deu um passo gigantesco ao estabelecer que, se ultrapassados os limites do artigo 19, o excedente deve ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, preferencialmente no exercício em que o excesso foi registrado. 

Tudo transcorria conforme o previsto, até que sobreveio a catastrófica pandemia de COVID-19. Em resposta, o Parlamento, visando a desafogar a Administração – não apenas em razão da COVID-19, mas também devido às desenfreadas concessões e, fundamentalmente, à variação da Receita Corrente Líquida, base de medição para o controle dos gastos de pessoal – promulgou a Lei Complementar nº 178, de 2021. Esta Lei alterou significativamente o prazo de recondução dos excessos, estendendo-o para 10 (dez) anos a contar de 2023. Tal medida parece indicar que, em muitos casos, o orçamento anual estaria praticamente sendo consumido pelos gastos com pessoal. Mais recentemente, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 333/20 suspendeu essa inclusão. 

Diante desse cenário, imagine-se a inclusão, nos citados percentuais, das despesas de pessoal decorrentes dos contratos de gestão com Organizações Sociais (OSs) e dos contratos de limpeza urbana. Tal inclusão é absolutamente inviável: a uma, porque as despesas com Organizações Sociais – que são astronômicas – causariam, indiscutivelmente, a explosão dos percentuais cabíveis aos órgãos da Administração; a duas, porque não se encontra uma fórmula para, como mencionado, contabilizar contratos terceirizados com empresas e organizações sociais para limpeza urbana e gestão de hospitais” que, por óbvio, incluem a contratação profissionais para as prestações dos serviços – e, assim, deverão ser contabilizados à parte.

Se prevalecesse esse entendimento, os órgãos de controle teriam de ter acesso à contabilidade dessas entidades e empresas e dissecar as folhas de pagamento de pessoal. Tal procedimento, se minimamente possível, dependeria de regra legal ou decisão judicial - afinal, os contratos celebrados não são compostos apenas de despesas de pessoal, mas também de insumos e de parcelas decorrentes do serviço prestado. É importante lembrar que os órgãos de controle cuidam dos contratos e das prestações de contas que lhes são remetidos. 

Pergunta-se: essas orientações resolveriam o controle de gastos de pessoal? A resposta é negativa. Elas apenas demonstrariam que não haveria limites para os gastos de pessoal. E, assim, como ficaríamos? Como se poderia desmantelar a estrutura funcional da Administração ou banir os contratos já referidos, sabendo que as Organizações Sociais (OSs) tomaram conta, especialmente, da gestão de hospitais, cujos custos, pelo menos os de pessoal, são muito superiores aos pagos pela Administração Pública?

Tudo o que foi dito até agora não significa que as despesas de pessoal – e não só elas – não devam ser controladas. No entanto, com essa destinação, não há a menor condição de entendê-las como passíveis de inclusão nos limites previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). É assim que o Tribunal de Contas do Estado tem entendido de forma unânime. 
Despesas com pessoal não são bem assim tão simples de serem controladas, o que nos empurra para a criação de um sistema que, verdadeiramente, atenda ao interesse público. 

O Parlamento agiu corretamente, e respeito aqueles que pensam de forma diferente.

* Sérgio Ciquera Rossi é Chefe de Gabinete da Presidência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP)