*Fernanda Borges Keid

A qualidade de vida no trabalho (QVT) é um conceito multifacetado que engloba aspectos físicos, psicológicos e sociais da experiência do trabalhador. Com a precarização dos sistemas de saúde, tanto público quanto suplementar, a necessidade de ambientes de trabalho saudáveis e de suporte torna-se ainda mais crucial.

É sabido que os sistemas de saúde público e suplementar enfrentam uma série de dificuldades, incluindo sobrecarga de serviços, falta de recursos orçamentários e ineficiências administrativas. A literatura já demonstra que a demanda crescente por atendimento médico, combinada com a capacidade limitada dos serviços de saúde, resulta em longas filas de espera, dificuldades de acesso, atendimentos insuficientes e aumento dos custos de saúde (Silva & Almeida, 2021).

Ademais, estudos destacam a precarização dos sistemas de saúde como um fator que até mesmo impacta negativamente a qualidade de vida dos trabalhadores. Problemas como falta de recursos, aumento das cargas de trabalho, e deficiências no atendimento médico são frequentemente citados. Por exemplo, um estudo publicado no Journal of Occupational Health (2022) aponta que a deterioração dos serviços de saúde pública aumenta o absenteísmo e reduz a produtividade, resultando em um ciclo difícil de ser quebrado.

Nesse sentido, a criação de programas de saúde populacional nas instituições públicas e privadas aparece como uma estratégia crucial e emergente para, além da manutenção da saúde coletiva e individual, contribuir para a própria melhoria da qualidade de vida no trabalho.

A gestão desses programas impõe uma abordagem estratégica, que visa melhorar a saúde de um grupo específico de pessoas por meio da implementação de intervenções coordenadas e sistemáticas. Esse modelo, após o adequado levantamento e análise de dados, foca na promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento apropriado e gerenciamento de condições crônicas, com vistas a melhorar a qualidade de vida e reduzir os custos de saúde a longo prazo.

A implementação desse tipo de iniciativa revela-se, portanto, como fundamental para reduzir a pressão sobre os serviços de saúde, na medida em que alguns benefícios desses programas incluem:

1. Redução de Doenças Crônicas: programas que promovem hábitos saudáveis, como alimentação balanceada e prática regular de exercícios, ajudam a prevenir doenças crônicas como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares (Santos et al., 2019).

2. Aumento da Produtividade: colaboradores saudáveis são mais produtivos, têm menos faltas ao trabalho e estão mais motivados. Um estudo conduzido por Oliveira e Costa (2020) demonstrou que instituições que implementaram programas de saúde populacional observaram um aumento significativo na produtividade, no clima organizacional e na satisfação individual.

3. Diminuição dos Custos de Saúde: ao prevenir doenças e promover o bem-estar, os programas de saúde populacional podem reduzir os custos associados ao tratamento de doenças e hospitalizações. Isso
beneficia tanto os empregadores quanto os sistemas de saúde público e suplementar (Fernandes & Silva, 2018).

4. Descongestionamento dos Serviços de Saúde: com a redução da incidência de doenças, da necessidade de internações e tratamentos prolongados, os serviços de saúde podem ser descongestionados. Isso resulta em menor tempo de espera, melhor experiência de atendimento para pacientes, melhor utilização dos recursos de saúde e maior eficiência na prestação de serviços médicos.

5. Monitoramento e Gestão Eficaz: a gestão da saúde populacional permite o monitoramento contínuo da saúde de uma certa população. Com dados precisos e atualizados, há uma facilitação na tomada de decisões informadas pelos gestores de saúde, com a alocação recursos de maneira mais eficiente, além da implementação de intervenções específicas para as necessidades coletivas.

6. Promoção da Equidade em Saúde: programas de saúde populacional ajudam a promover a equidade em saúde, garantindo que todos os segmentos da população tenham acesso a cuidados preventivos e curativos adequados. Isso é especialmente importante em contextos em que há grandes disparidades no acesso e na qualidade dos serviços de saúde.

7. Engajamento e Educação da Comunidade: a gestão da saúde populacional frequentemente inclui componentes de educação em saúde e engajamento da comunidade, o que facilita a tomada de decisão individual sobre a própria saúde, resultando em uma coletividade mais consciente e proativa.

Para que os programas de saúde populacional sejam eficazes, é necessário um planejamento cuidadoso e uma implementação estratégica. Algumas recomendações incluem:

1. Avaliação das necessidades de saúde com a realização de avaliações periódicas acerca das necessidades da população-alvo para o desenvolvimento de programas direcionados mais eficientes, eficazes e efetivos.

2. Educação e capacitação com a promoção de educação em saúde e capacitação de indivíduos capazes de adotar comportamentos saudáveis. Isso pode incluir workshops, palestras e campanhas informativas.

3. Intervenções preventivas com programas de vacinação, campanhas de conscientização sobre saúde e iniciativas de promoção de estilos de vida saudáveis são exemplos de intervenções que podem ser implementadas para prevenir doenças e promover a saúde.

4. Parcerias e colaborações com organizações de saúde, ONGs e outros stakeholders de forma a buscar a maximização de recursos e a eficácia dos programas.

5. Monitoramento e avaliação por intermédio de sistemas de acompanhamento os resultados dos programas, que possibilitem a realização de ajustes, para garantir a melhoria contínua.

Nessas perspectivas, a gestão de saúde populacional pode enfrentar vários obstáculos, incluindo a necessidade de financiamento adequado, capacitação de profissionais de saúde e desenvolvimento de infraestrutura tecnológica. Não obstante, a gestão da saúde populacional carece estar presente nas políticas públicas e no planejamento estratégico das organizações, não só como meio garantidor da qualidade de vida no trabalho, mas como uma abordagem estratégica e eficaz para o enfrentamento dos desafios dos sistemas de saúde público e suplementar.

Ao focar na prevenção, redução de custos, melhoria da qualidade de vida, descongestionamento dos serviços de saúde, monitoramento eficaz, promoção da equidade e engajamento comunitário, programas de saúde populacional têm o potencial de transformar positivamente a coletividade e a própria sustentabilidade dos sistemas de saúde.

*Fernanda Borges Keid é Diretora da Diretoria de Saúde e Assistência Social (DASAS) do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP)

 

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